Ricardo Marques

Dez caixas para Eloá

Publicado 30/10/2020 10:12:39 0 comentário


guarana-jesus

POR EDSON VIDIGAL

Depois do comício, no adro da Igreja, no Largo do Carmo, Jânio foi a um jantar com empresários no casarão de um deles, na Rua Grande.

Lá para as tantas, dentre os nativos, alguém lhe ofereceu o refrigerante de maior sucesso, conhecido como o sonho cor de rosa das crianças.

Erguendo a taça contra a luz, mirando o conteúdo com um olho só, admirado, acionou o olfato e provou da oferenda num gole curto:

- Delícia! Néctar dos deuses! Isto é produzido aqui no Maranhão?

- Sim, Presidente. É genuinamente maranhense.

- Dez caixas para Eloá!

A aprovação, respeitosa, de Jânio instaurou euforia entre os convivas. De pronto, voluntariam-se alguns. A fábrica era ali perto, na Rua de Santana, esquina com a ladeira da António Rayol.

Manhã seguinte, quando o avião, um DC-10, decolou do Tirirical, as dez caixas do sonho cor de rosa das crianças já estavam no bagageiro.

Do barulho das hélices avolumam-se as esperanças num radioso futuro para o empresariado do Maranhão. Notadamente para o fabricante do guaraná Jesus.

Passa, passa gavião, todo mundo passa...

Num começo de tarde, em Brasília, o Presidente Jânio Quadros dispara um chamado urgente a um jovem Deputado, Vice-Líder do Governo.

Não conseguia desfilar na memória assunto ensejador de tamanha urgência. Lembrava-se com nitidez de véspera do não que dera ao apelo presidencial, mas isso foi no começo do Governo.

Afonso Arinos, o chanceler da República, que devotava um carinho familiar ao jovem Deputado do seu partido, a UDN, sugerira ao Presidente que o indicasse ao Senado para um posto diplomático – Embaixador do Brasil em Cuba.

Antes de dizer sim, teve o cuidado de consultar, embora muito animado, a sua mulher.

(“E a aquela força por detrás do trono me impediu de nomear o Embaixador que eu mais queria”. Contou-me Jânio, anos depois da anistia, enquanto almoçávamos no seu retiro na Praia de Pernambuco, no Guarujá).

Mas agora, matutava o Deputado, não tinha a menor ideia do que poderia ser. Sabia verdadeiro o afeto que o Presidente lhe dedicava.

O que poderia ser? Enquanto seguia rumo ao Palácio repassava a pauta das últimas sessões, suas orientações enquanto líder, era vice - líder, da bancada, fizera, sim, tudo certo.

Quando chegou ao terceiro andar do Palácio do Planalto, o Ajudante de Ordens já o aguardava. O Presidente determinara que adentrasse o Deputado imediatamente.

No Gabinete, Jânio exalava autoridade. Passeou o olhar sério no Deputado. Dos pés à cabeça.

- José, meu bem! Estou pronto para cumprir o meu compromisso contigo. Irei ao Maranhão.

(A promessa foi a de instalar o Governo Federal por três dias em São Luís, reunindo os Governadores da região. E o Presidente, de fato, a cumpriu.)

- Mas, pelo amor de Deus... - Advertiu.

- Não me manda servir aquela gororoba cor de rosa que tem gosto de chicletes.

 

*Ex-presidente do STJ; foi o último advogado de Jânio Quadros.

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