Ricardo Marques

50 anos do Tambor de Mestre Felipe

Publicado: 05/05/2023 16:25 - Atualizado em 05/05/2023 16:27 - 0 comentário


Compartilhe:


TAMBOR_MESTRE FELIPE_05-05-23 

POR AZIZ JÚNIOR

O Tambor União de São Benedito, mais conhecido como ‘Tambor de Mestre Felipe’, completa 50 anos de sua fundação e "vai ter tambor até o pau cair a folha". Gostava de ouvir esta e outras expressões que o mestre dizia. Apesar da falta de escolaridade, Felipe era um sábio. Tinha uma forma muito especial de falar as coisas e, não raro, as expressava relacionando-as à natureza. Era carpinteiro dos bons, e aqui em São Luís (MA) fez de um tudo. Foi faxineiro, trabalhou no Hotel Central, na construção civil, empregou sua mão de obra nas mais diversas atividades para dar sustento aos seus. Mas nunca abandonou as manifestações populares, que vieram de berço, pois sabia que eram nelas que ele deixava de ser mais um na multidão dos excluídos para ser ele, filho de dona Maria Cândida e de seu Sebastião Noguêra. "Quando papai chegou na família de mamãe, mamãe já tinha 6 filhos. Aí, papai chegou e gritou como um garrote: deu um estrondo assim na malhada! Bezerro abriro e não entrou mais um garrotinho, ficou só o garrote velho. Teve dez. Chegou e teve dez filhos!" (Trecho retirado do livro produzido por Sergio Costa e Marco Aurelio Haikel, Felipe por ele mesmo, e que tive a grata participação nas entrevistas que deram origem à publicação).

Comecei a participar do Tambor de Mestre Felipe em 1995, depois da oficina de tambor que fizemos no Laborarte, com o Mestre. Ali demos início a uma amizade carregada de respeito, picardia, galhofas e afetos. Sempre o tratei com deferência, mas sem a idiotice de tentar colocá-lo em um lugar inacessível. Felipe não queria isto. Gostava de se relacionar de igual pra igual. Assim fez com todos: governadores, professores, intelectuais, artistas, a todos mantinha a horizontalidade no olhar.

Além do livro, conseguimos registrar suas músicas em dois cd’s e viajamos pelo país, e para fora daqui, para mostrar a sua arte. No FITEI, Festival Internacional de Teatro e Expressões Ibéricas, pude ver nos olhos dos gringos o encanto e a perplexidade daqueles gajos ao se depararem com uma força da natureza como a de Felipe.

Era um líder e sua autoridade era natural. E por ser assim, tinha o respeito de todos, até dos bebuns que ao passarem dos limites, eram convidados a procurarem seu lugar, que para o mestre, não era ali no seu Tambor.

Sinto saudade de ir à sua casa, que ele insistia dizer que não era sua, e sim de sua companheira, Dona Mundica, exímia dançarina e mestra na arte de sorrir e levar alegria aonde fosse, na Vila Conceição, tomar um café, jogar conversa fora e falar mal do nosso time, o Tubarão, a Bolívia querida, o Sampaio Correia. Sua maior paixão, sem dúvida. Certa vez, dei uma camisa autografada pelos jogadores do Sampaio e ganhei seu coração definitivamente.

Ao receber um convite do então ministro Gilberto Gil para ser condecorado pelo Ministério da Cultura, pediu que eu o acompanhasse até a Capital Federal. Foi um dos maiores privilégios vivenciar o momento da entrega da honraria, quando Gilberto Gil, ao ler o nome do Mestre, saiu do púlpito e levou até o Mestre e entregou com lágrimas nos olhos. Não fez isto a mais ninguém. Gil sabia com quem estava lidando. Sabia de quem se tratava.  Sabia que Mestre Felipe era um verdadeiro herdeiro das tradições do Povo Preto, seu povo, sua etnia, sua família de origem, seu sangue.

Pois bem, sábado estaremos reunidos na Casa do Tambor de Crioula para lembrar do Preto Velho. Estarei lá louvando sua história, cantando suas músicas. Vou lá tocar uma marcha pra São Benedito e outra pra mestre Felipe.

"Na Vila de São Vicente rádio fala toda hora..."

Viva!

*Cantor e compositor

Deixe seu comentário aqui

Verificação de segurança

Comentários


Nenhum comentário foi encontrado, seja o primeiro a comentar!