Ricardo Marques

Bumba meu Boi - simbolismo, magia e história

Por: Opinião | Publicado: 26/06/2023 16:59 - 0 comentário


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 Bumba Meu Boi - Origem, história, lenda, características, dança, festa

POR CHICO FONSECA 

O som dos tambores e das matracas vinha de longe, trazido pelo vento. Ora parecia mais próximo, ora mais distante, aumentando ou diminuindo ao sabor do sopro da brisa. E ia aos poucos preenchendo o silêncio das madrugadas, permeando ruas e casas e embalando, como uma onda, o sono dos ludovicenses. Não havia rua, beco ou ladeira dessa velha cidade aonde não chegasse o som do batuque noturno que viria a se tornar o principal festejo do nosso calendário cultural.

No mês de junho, começa o período do estio, que se estende por todo o segundo semestre, quando as chuvas torrenciais se tornam mais escassas, favorecendo os folguedos de rua a céu aberto. É tempo de ensaios para a festa de São João. É tempo de Bumba Meu Boi.

Na minha antiga casa da Rua do Passeio, o som do batuque entrava pela porta dos fundos. Vinha do distante bairro do João Paulo, empurrado pelo vento, e atravessava o descampado da antiga Quinta do Barão e o terreno baldio que viria a ser, anos mais tarde, o Parque do Bom Menino.

Com curiosidade de criança e encantado com o som dos tambores e das matracas, pedi que a nossa empregada, antiga na família, me falasse sobre a festa. De noite, após terminar suas tarefas na cozinha, ela sentou-se comigo no batente da porta do quintal e, ouvindo o batuque distante, começou a me contar.

E foi assim que eu fiquei sabendo da história dos escravizados Pai Francisco e Mãe Catirina, da língua de boi que ela desejou comer, do boi que ele matou para lhe satisfazer o desejo e evitar que o filho que eles estavam esperando nascesse com cara de boi, conforme dizia a lenda. E ela foi me contando, com a dramaticidade do seu jeito simples, sobre a reação do senhor da fazenda, quando viu o seu boi morto, da agonia dos outros escravos para encontrarem um pajé que fizesse uma reza para ressuscitar o boi e evitar o castigo que ameaçava Pai Francisco.

Com os ouvidos atentos e os olhos fixos na expressão do seu rosto, cheguei a me assustar com a sua imitação dramática do urro do boi ressuscitando. E aí veio o perdão do dono da fazenda e a explosão de alegria dos negros e dos índios, seguida de uma grande festa, da qual participaram todos.

- E por que a festa só acontece em locais distantes? – perguntei.

- Por motivo de segurança - disse ela. Como só participam pretos e pobres, e muitos gostam de beber, como em todas as festas, a polícia acha que eles podem fazer arruças pela cidade e ameaçar o sossego dos moradores.

De fato, muitos anos antes, no dia 18 de junho de 1943, o chefe de Polícia Flavio Bezerra, “no uso das suas atribuições, e para maior segurança da ordem e tranquilidade pública, durante os festejos juninos” havia publicado uma portaria para “proibir que os boi-bumbá percorram o perímetro urbano da cidade... Aos infratores destas determinações serão aplicadas as penalidades previstas... inclusive multa e prisão”.

A festa do boi, de origem européia, hoje é comemorada pelo país afora, por causa do simbolismo da força do animal e da sua importância na economia do Brasil, desde os tempos coloniais. Com diferentes denominações e diferentes formas, é no Maranhão que ela tem a sua maior expressão: O Bumba Meu Boi.

O canto rude, sempre à capela, além dos erros de português das letras de antigamente, não agradava às pessoas mais instruídas. Mas a força do seu ritmo, o colorido das fantasias e a alegria da dança aos poucos foram ganhando espaço e conquistando toda a população. E hoje a festa arrasta multidões por vários bairros, especialmente no Centro Histórico.

As letras se aprimoraram, os instrumentos se sofisticaram e a brincadeira foi assimilando outros “sotaques”, vindos de outras cidades, e até incorporando a novidade das orquestras de metais.

E assim, essa festa cheia de simbolismos, incorporou mais um: a força da resiliência e da superação do povo pobre miscigenado. A cultura popular, nascida nas camadas mais simples da população, se impôs e se alastrou pela cidade, envolvendo todos os moradores. E acabou se tornando Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO.

*Chico Fonseca nasceu em São Luís, em 1949, e é autor do livro Amores, Marias, Marés, vencedor do concurso literário "Escritores Admiráveis”, que acaba de ser publicado pela Editora Jangada. O romance, que trata de diversidade e ancestralidade, se passa na São Luís dos anos 60.



Fonte: Opinião

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