POR EZIQUIO BARROS NETO
De todos esses anos em que eu estudo Caxias, afirmo com convicção: 2023 foi o pior ano para o patrimônio histórico edificado da cidade desde o seu tombamento em 1990. O que deveria ter sido um ano simbólico para a valorização de nosso acervo arquitetônico e história em geral, em um diálogo permanente com a sociedade aproveitando-se das comemorações dos bicentenários (adesão a independência e nascimento de Gonçalves Dias), aconteceu o contrário. Foi um desastre de planejamento e ação. Mas isso não se deu ao acaso.
Logo no mês de janeiro ocorreu a demolição do Casino Caxiense acabando com qualquer possibilidade de revitalização do imóvel; uma estátua gigante fincada onde não deveria estar - em sítio histórico impactando seu entorno, entre outras desconfigurações que pretendo tratar posteriormente com mais detalhes. No histórico Morro do Alecrim, continua sem nenhuma referência a nossa luta pela independência com suas ruinas parecendo ser um eterno incomodo para os eventos festivos municipais. O redesenho da Praça da Matriz, palco da assinatura da ata de nossa independência, idem.
O que me leva a afirmar esse terrível legado de 2023 é a prática aplicada em Caxias: Renovação. Termo utilizado para explicar as intervenções ocorridas nas cidades no século passado, a Renovação Urbana foi bastante criticada justamente por não levar em consideração a história local, ignorar seu entorno, memórias construídas por seus cidadãos, entre outros. É a partir disto que nascem outros termos, como Revitalização, Requalificação, etc... uma alternativa contra a Renovação, valorizando e respeitando o espaço original com participação da sociedade.
Praticamente abolida como prática pelo mundo atualmente, a Renovação chega em Caxias em pleno Séc. XXI como um projeto de se criar uma nova cidade ignorando o seu passado. É como se tudo existente antes não importasse, não fizesse parte da cidade e precisa ser apagado, ou melhor, renovado. Eis aí como o projeto de renovação posto em prática pelo Poder Público cai “como uma luva” na administração. Não há responsabilidade sobre o que existia, apenas naquilo que fora construído ou reformado atualmente. E a esses, o zelo total.
A “disneylandialização” dos espaços públicos de Caxias, vide a praça da Matriz ou entorno das ruinas, são ótimos exemplos dessa renovação com o apagar da memória local, reescrevendo-as, com adição de novos elementos estranhos ao nosso meio. O embelezamento das áreas centrais é o objetivo para criar cenários fantasiosos para irem parar nas fotos nos Instagram’s da vida. E aí está o apagar da nossa história, jogando-a para debaixo do tapete... “bonito mesmo é o que vem de fora”, a cópia dos outros em espaços históricos de Caxias.
Se não tem diálogo e respeito, não tem se memória, logo, não tem pertencimento, não tem patrimônio, não tem o que preservar. Se o cidadão não vê não há o que recordar, então, não se tem memória coletiva. E se a sociedade não tem memória, não tem o que se cobrar do Poder Público e ele se sente na liberdade de fazer o que bem entende. Assim, o cidadão vai sendo um mero telespectador da cidade, aceitando de bom grado tudo o que lhe é empurrado.
2023, que ano terrível para o patrimônio histórico caxiense.
*Arquiteto e urbanista
Fonte: Opinião
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