Ricardo Marques

A finitude e a Arte de viver

Por: Opinião | Publicado: 26/01/2025 09:54 - 0 comentário


Compartilhe:


POR RUY PALHANO 

A reflexão sobre a finitude é uma questão central na história do pensamento humano. Desde os primeiros registros filosóficos até a vida moderna, a consciência da mortalidade molda a maneira como percebemos o mundo e a nós mesmos. A expressão finitude pode ser integrada à "arte de viver", condição que remete à busca por significado, autenticidade e bem-estar em um mundo caracterizado pela efemeridade.

Para os antigos gregos, a reflexão sobre a morte era um convite à sabedoria. Sócrates, por exemplo, via na meditação sobre a mortalidade uma maneira de cultivar a virtude e evitar distrações mundanas. No pensamento epicurista, a morte não deveria ser temida, pois "onde estamos, a morte não está". Em contraste, os existencialistas modernos, como Heidegger, enfatizaram que a consciência da morte é central para uma vida autêntica. Em Ser e Tempo, Heidegger introduz a ideia do "ser-para-a-morte", que nos chama a assumir a responsabilidade por nossas escolhas em face de nossa finitude.

A consciência da finitude não é apenas um tema abstrato; ela está profundamente enraizada em nossa experiência cotidiana. Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, propôs que a busca por significado é o principal motivador da existência humana. Sua abordagem, conhecida como logoterapia, sugere que enfrentar a mortalidade pode nos levar a encontrar propósito, mesmo em circunstâncias extremas. Esse enfrentamento é essencial para superar o vazio existencial tão comum na vida moderna.

O morrer é frequentemente visto como uma das maiores fontes de angústia na condição humana. A impossibilidade de controlar ou compreender completamente a morte gera sentimentos de vulnerabilidade e medo profundos. Essa angústia é intensificada pela maneira como as sociedades contemporâneas lidam com a morte: escondendo-a, negando-a ou relegando-a ao âmbito do proibido. O tabu em torno do tema muitas vezes impede a elaboração emocional necessária para lidar com a finitude, resultando em uma busca incessante por formas de escapar desse enfrentamento.

No campo filosófico, Jean-Paul Sartre argumentava que a consciência da morte expõe a radical liberdade humana, mas também a condenação de viver sem um sentido intrínseco. Por outro lado, pensadores como Martin Heidegger sugerem que a aceitação da morte é uma condição necessária para viver de forma autêntica. No entanto, a angústia não é apenas um subproduto da reflexão filosófica, mas também uma experiência psicológica universal.

A psicologia contemporânea aborda essa questão a partir de perspectivas diversas. A teoria do manejo do terror (Terror Management Theory) sugere que a negação da morte é uma defesa psicológica para proteger o ego. Ela explica que os seres humanos buscam transcender sua finitude por meio de conquistas, crenças religiosas ou legados materiais. Contudo, tais estratégias muitas vezes reforçam o medo subjacente, em vez de resolvê-lo.

Abordagens terapêuticas, como a logoterapia de Viktor Frankl, referida acima propõem que confrontar a morte é essencial para encontrar significado na vida. Aceitar a própria vulnerabilidade à finitude pode gerar transformações profundas: torna-se possível viver de maneira mais consciente, priorizar o que realmente importa e estabelecer relações mais autenticas e empáticas.

Culturas que integram o morrer como parte natural da vida, como as tradições budistas e algumas comunidades indígenas, nos oferecem modelos alternativos de lidar com essa realidade. O budismo, por exemplo, ensina a meditar sobre a morte para dissolver o apego ao ego e cultivar a paz interior. Essas práticas desafiam o paradigma ocidental, que tende a evitar a reflexão sobre a mortalidade.

Assim, ao abordar o morrer como fonte de angústia, emerge uma oportunidade de transformação. Encarar a morte com coragem e reflexão pode nos ajudar a aceitar nossa condição humana e a viver com maior plenitude e autenticidade.

Na era contemporânea, avanços tecnológicos e sociais muitas vezes nos distanciam de uma compreensão plena da finitude. A cultura de produtividade incessante e o culto à juventude promovem uma ilusão de imortalidade. Redes sociais, cirurgias estéticas e a busca por reconhecimento instantâneo podem mascarar o vazio existencial, mas também nos deixam desconectados da realidade mais profunda de nossa existência.

No entanto, essa mesma modernidade oferece ferramentas para transformar nossa relação com a finitude. Práticas como mindfulness e minimalismo, amplamente difundidas no Ocidente, ensinam a valorizar o presente e a simplicidade, conceitos profundamente alinhados às tradições filosóficas orientais e ocidentais. A aceitação da impermanência pode ser um antídoto contra a alienação moderna.

A "arte de viver" exige a capacidade de abraçar a finitude como uma fonte de significado, não de desespero. Algumas estratégias que emergem dessa reflexão incluem: a autenticidade, que significa viver de maneira congruente com nossos valores, reconhecendo que o tempo é limitado. A gratidão, na perspectiva de se cultivar a apreciação pelas experiências cotidianas, em vez de perseguir incessantemente metas inalcançáveis. A conexão, que significa valorizar relações significativas, que nos lembram de nossa interdependência como seres humanos. A resiliência, que nos permite encarar os desafios como oportunidades para crescimento, em vez de os evitar ou negar.

Portanto, reconhecer a finitude não significa resignar-se ao niilismo, mas sim abraçar a vida com plenitude e intenção. Ao enfrentar a realidade de nossa mortalidade, podemos descobrir maneiras mais ricas e significativas de existir.

O filósofo Zygmunt Bauman, em sua obra "A Morte e a Imortalidade na Modernidade Líquida", argumenta que a no contexto da "modernidade líquida", os indivíduos vivem em fluxo constante, sem raízes ou estabilidade. Nesse cenário, o enfrentamento da morte torna-se ainda mais difícil, pois as conexões e valores sólidos que poderiam ajudar a lidar com o fim da vida se torna enfraquecida.

Além disso, o consumismo, um dos pilares da vida moderna, cria a ilusão de imortalidade ao nos incentivar, incessantemente, na busca da juventude, da beleza e do prazer como substitutos simbólicos para a facilidades da finitude. Entretanto, essa negação frequentemente nos deixa despreparados emocionais e existencialmente para enfrentar o inevitável, qual seja a morte.

*Médico Psiquiatra, Escritor, Membro Efetivo da Academia Caxiense de Letras (ACL) e Dr. Honoris Causa pela Emil Brunner World Universit -EBWU. Flórida - EUA



Fonte: Opinião

Deixe seu comentário aqui

Verificação de segurança

Comentários


Nenhum comentário foi encontrado, seja o primeiro a comentar!